No Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, a Lei ainda não é cumprida no Brasil
Publicado em: 16/09/2025
“Há aqueles que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.” Bertolt Brecht
Por Sergio Gomes para o site da Câmara Paulista de Inclusão da Pessoa com Deficiência
O Dia de Luta da Pessoa com Deficiência, dia 21 de setembro, não é apenas uma data no calendário, é um marco, um chamado à conscientização e um dia a mais para lembrar sobre necessidade de combater o capacitismo e outros preconceitos que resultam em exclusão e marginalização das pessoas com deficiência. Ao exercerem o direito ao trabalho, as pessoas com deficiência conseguem aumentar a autoestima e também conquistar o seu pertencimento à sociedade.
Para a matéria sobre essa data tão importante, Carlos Aparício Clemente foi a personalidade escolhida por sua dedicação de décadas na luta da defesa dos direitos da pessoa com deficiência e também da sua inclusão no mercado de trabalho. Resgatamos também o nome de Cândido Pinto de Melo, ativista pelos direitos das pessoas com deficiência nos anos 80, que contribuiu para a criação da data.
Conheça Carlos Aparecido Clemente*
Clemente, como é mais conhecido, foi metalúrgico na cidade de Osasco, na grande São Paulo, e muito jovem entrou para a direção sindical da categoria, onde trabalhou durante anos. Na entidade destacou-se nacionalmente pelo firme combate aos acidentes de trabalho, pela luta por CIPAs (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio) mais atuantes, por denunciar acidentes escabrosos, decisões judiciais absurdas e as más condições de trabalho. Clemente é formado em Administração de empresas e Ciências do Trabalho e tem várias especializações na área. Anos mais tarde, sobretudo a partir de 2001, passou a se dedicar a outra causa, não menos desafiadora, a inclusão no mercado de trabalho para Pessoas com Deficiência (PcD), para que as empresas cumpram a Lei de Cotas – 8.213/91.
Clemente é conhecido nacionalmente por seu trabalho de luta pelos diretos das pessoas com deficiência, principalmente na inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal, e foi fundador e hoje é Coordenador do Espaço da Cidadania, também em Osasco. Ainda hoje no sindicalismo, “Clemente de Osasco” é sempre lembrado quando se fala em combate a acidentes, embora não se dedique à questão há mais de 20 anos, embora participe com incentivador em debates e ciclos relativos ao tema.
*As informações contidas nesse trecho da matéria foram retiradas do site do Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos e Região.
História da Data
No dia 21 de setembro celebra-se o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, a data foi instituída oficialmente pela lei nº 11.133, de 14 de julho de 2005, mas já era comemorada dede 1982 e foi uma iniciativa do Movimento Pelos Direitos das Pessoas Deficientes (embora a terminologia mais recomendada atualmente seja pessoa com deficiência ou PcD o movimento conserva o mesmo nome até hoje) o movimento debate mudanças sociais em prol dos direitos das pessoas com deficiência há mais de 40 anos.
Essa data foi escolhida por ser próxima ao início da Primavera (23 de setembro) e coincide com o Dia da Árvore, datas que representam o renascer das plantas, que simbolizam o sentimento de renovação das reivindicações em prol da cidadania, inclusão e participação plena na sociedade.

Foi Cândido Pinto de Melo, um ativista do movimento das pessoas com deficiência, que propôs, no início da década de 80, esta data. Cândido foi um dos fundadores do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes – MDPD, organização de pessoas com deficiência que já se reuniam mensalmente desde 1979, e discutiam propostas de intervenções para a transformação da sociedade paternalista e da ideologia assistencialista.
Em artigo para o site Direitos Humanos Net, o autor Marcelo Mário de Melo descreve a trajetória de Cândido Pinto de Melo: “tinha 22 anos de idade, estudava engenharia no Recife e era presidente da UEP – União dos Estudantes de Pernambuco, entidade cassada pela ditadura e reestruturada pelo movimento estudantil em eleições diretas. No dia 28 de abril de 1969, nas imediações da Ponte da Torre, sob a mira de um atirador mascarado, foi intimado a entrar num carro. Reagiu e salvou a vida. Um disparo do bandido lhe seccionou a medula abaixo do peito. A partir daí, até a sua morte na sexta-feira, Cândido viveu 33 anos de uma resistência política e existencial tenaz e tocante, que o colocam num plano elevado da condição humana.”
Mercado de trabalho garante pertencimento na sociedade
Uma das reivindicações mais antigas dos movimentos de pessoas com deficiência é a sua inclusão no mercado de trabalho. Nos últimos anos, essa pauta evoluiu significativamente, principalmente devido à Lei de Cotas, que é o principal instrumento para essa inclusão, mas é preciso sempre lembrar, ao se falar sobre o tema da pessoa com deficiência, que a simples contratação, embora seja um passo importante rumo à inclusão, não é, sozinha, elemento da verdadeira inclusão, pois é necessário também, uma vez que a pessoa é contratada, desenvolver uma cultura inclusiva, que dê oportunidades para o indivíduo aprender e se desenvolver, sendo respeitado e tendo suas diferenças e particularidades valorizadas.

O número de pessoas com deficiência nas empresas brasileiras ainda é pequeno, embora esse número cresça lentamente. O percentual é de aproximadamente 1,2% dos trabalhadores. Segundo Carlos Aparício Clemente, Coordenador do Espaço da Cidadania, na Grande São Paulo, um problema persistente na hora do recrutamento de pessoas com deficiência é a discrepância entre as exigências para a contratação e a qualidade das vagas oferecidas: “O mercado de trabalho tem ignorado a constante melhoria de escolaridade registrada a cada novo Censo demográfico para este segmento da população[PcD], mas exige em mais de 80% das contratações que os candidatos tenham Ensino Médio a Superior Completos, no oferecimento de vagas que são de baixos salários e típicas de quem ainda tem pouca escolaridade” explica Clemente.
Em 2025 a Lei nº 8.213/91, conhecida como Lei de Cotas completou 34 anos e é cumprida em apenas pouco mais da metade de seu potencial e isso é fruto do desconhecimento e do preconceito ainda comuns a muitas pessoas do mundo do trabalho.
Mitos sobre contratação de profissionais com deficiência
As pessoas com deficiência são plenamente capazes de pertencer ao ambiente de trabalho e desempenhar suas funções com eficiência. A contratação delas não precisa ser mais cara. Algumas pessoas podem precisar de adaptações simples, como o uso de tecnologias assistivas, para garantir a acessibilidade e o pleno exercício de suas atividades. Essas ferramentas, como leitores de tela ou legendas em tempo real, são facilmente encontradas e já estão inclusas em muitos sistemas e dispositivos e não tem um alto custo financeiro. Muitos dos desafios para a contratação e inclusão de pessoas com deficiência se devem a mitos e preconceitos. O foco deve estar em suas habilidades e competências, e não nas adaptações que podem ser necessárias. O custo-benefício de contratar pessoas com deficiência é o mesmo que o de contratar qualquer outro profissional que necessita de cursos de qualificação ou de outro idioma, por exemplo.
Fiscalização urgente!
A fiscalização é um instrumento importante para que se tenha certeza que as leis estão sendo cumpridas e que a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, da forma que determina a lei, está acontecendo. Sobre o cumprimento da lei e sobre a fiscalização Carlos Clemente explica: “A maioria das empresas já têm trabalhadores com deficiência em seus quadros, nas regras da Lei de Cotas. Mas, as vagas reservadas só são ocupadas parcialmente por dupla negligência: descaso de empresas e falta de ação coordenada da fiscalização. No caso da fiscalização, pelo E-Social ou RAIS o Ministério do Trabalho já sabe de bate pronto quem está descumprindo [a Lei de Cotas] e poderia agir de imediato. Mas tem dificuldades de toda ordem para enfrentar os grandes descumpridores da lei.”
Informações sobre o Espaço da Cidadania, referência na conscientização sobre a Lei de Cotas: