Projeto promove a inclusão de usuários do CAPS no mercado de trabalho em Caxias do Sul
Publicado em: 22/09/2025
“Ao observar esse processo de inserção no trabalho, a gente percebe claramente uma melhora da autoestima, da autonomia, da questão financeira, que permite outras formas de inclusão na comunidade, como ir ao cinema, sair com os amigos, tomar sorvete, namorar. Um deles, que morava em uma casa de passagem, hoje paga o seu aluguel”, celebra a psicóloga coordenadora do trabalho, Tatiane Baggio
Fonte e reprodução: https://portal.conasems.org.br/brasil-aqui-tem-sus por Giovana de Paula
Quando o Sistema Único de Saúde (SUS) parece ter esgotado sua capacidade de intervir de diferentes maneiras na sociedade, há sempre novas formas de entender porque o Brasil tem o maior e mais abrangente sistema público de saúde. Em Caxias do Sul (RS), por exemplo, não bastou os profissionais do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) fazerem um acompanhamento de excelência dos usuários; eles enxergaram extramuros, preocupando-se com os desafios que os usuários enfrentam na vida em coletivo, especialmente os estigmas que rondam as deficiências psicossociais.
Assim, a equipe do CAPS II aproveitou uma brecha no projeto de Inclusão de Pessoas com Deficiência Psicossocial no Mercado de Trabalho, pela Lei de Cotas, para desenvolver a inserção social através do trabalho de usuários atendidos no CAPS Integração e CAPS Cidadania, a partir de 2022. O projeto é realizado em articulação com o Ministério do Trabalho e Emprego, em uma das regiões do Rio Grande do Sul que conta com muitas empresas grandes e, portanto, elegíveis para cumprir a Lei de Cotas para PCD.
Em Caxias do Sul, esse trabalho começa pela capacidade de articulação que levou à abertura de um canal de diálogo entre o CAPS e as empresas. Por que não cumprir a lei de cotas com pessoas diagnosticadas com deficiência psicossocial? Aberta a janela de oportunidades, os usuários indicados pela equipe são encaminhados para cursos de aprendizagem profissional no SENAI e, em paralelo à preparação, passam a integrar o grupo de Inserção no Trabalho, que acontece semanalmente no CAPS.
A psicóloga Tatiane Baggio, que coordena o grupo, enumera uma série de atividades que eles fazem durante os encontros: preparação para as entrevistas de trabalho, organização de currículo, dinâmicas para desenvolver relação interpessoal e habilidades profissionais, formas de manter o emprego e gerenciar as questões institucionais e as relações de trabalho. Quando a equipe entende que aquela pessoa está apta para o trabalho, envia um atestado psicossocial assinado pelo técnico de referência e pelo psiquiatra. O documento vai para a empresa, atestando a deficiência e descrevendo dificuldades e habilidades, facilitando assim a alocação no espaço mais adequado.
Habilidades e aprendizagem constante
Quer saber sobre a qualidade das frutas? Converse com Dieicom Vaz dos Reis, de 32 anos, um exímio repositor de frutas, que cuida da qualidade das mercadorias oferecidas aos clientes no mercado. Dieicom fez um ano de curso de auxiliar de cozinha, graças ao trabalho desenvolvido no CAPS, e usa parte de seu conhecimento no trabalho formal, na sessão de frutas do mercado, para onde se dirige há mais de um ano, de segunda a sexta, e cumpre uma carga horária de 7h30min às 12h. “Estou indo bem, estou feliz. Acabei de perceber que agora estou mais independente, disposto a mudar minha vida para melhor. Focado no trabalho, selecionando as frutas, sei dos processos delas – o vencimento, a qualidade – e posso dar o melhor ao cliente”, conta.
Quando começou a frequentar o grupo, Dieicom percebeu que era possível lidar com as adversidades da vida no trabalho escutando mais e prestando atenção. “No começo não foi muito fácil, eu não conhecia as regras; mas aos poucos fui ganhando experiência com o aprendizado dos colegas e do patrão. Com o meu salário, que não é muito, eu já posso ajudar em casa. Moro com a minha mãe, que é cadeirante, e somos só nós dois.
Dieicom não segue sozinho no seu desafio de trabalhar com o público. Ele continua tendo o apoio e o suporte do grupo no CAPS, para levar suas dúvidas, angústias e superações. O suporte dos profissionais permanece inclusive na parceria com as empresas, para conhecer a evolução dos usuários e resolver questões que por ventura surjam conjuntamente, além de sensibilizar as equipes sobre os tipos de deficiência e o potencial de todas essas pessoas, que podem trabalhar, quando estáveis, dentro das suas funcionalidades. “De modo geral, as equipes são receptivas, acolhem, e têm sido um processo de desconstrução de muitos preconceitos”, observa Tatiane, ressaltando que hoje são mais de 20 pessoas nas vagas das empresas e mais 12 nos cursos preparatórios de auxiliar de produção e de cozinha. As parcerias são com empresas metalúrgicas, laboratórios clínicos, supermercados, lavanderia, costura, etc.
“Ao observar esse processo de inserção no trabalho, a gente percebe claramente uma melhora da autoestima, da autonomia, da questão financeira, que permite outras formas de inclusão na comunidade, como ir ao cinema, sair com os amigos, tomar sorvete, namorar. Um deles, que morava em uma casa de passagem, hoje paga o seu aluguel”, celebra Tatiane. A equipe percebe ainda uma evolução e desenvolvimento de novas habilidades, que surpreendem a todos. “Eles próprios se surpreendem com muitas coisas que tinham medo e achavam que não conseguiriam e estão desenvolvendo”. O grupo aprofunda as questões do trabalho e vai além. Dali, ninguém sai para qualquer trabalho; sabem da importância de preservar a saúde mental, conhecem os tipos de assédio moral, de violências institucionais, e aprendem a lidar com elas.
O retorno das empresas, por sua vez, tem sido muito positivo, é tanto que não houve nenhum desligamento. No coletivo das reuniões semanais, os usuários também encontram espaço para falar de suas emoções em casa, de inserção social, da saúde no geral; um acompanhamento que envolve todas as áreas da vida. Nas horas de folga, Dieicom cuida da mãe, aproveita de seus dotes culinários para preparar boas refeições para ela. “Desenho, faço pintura em tela e assisto documentários sobre a natureza, sobre música, coisas que me deixam feliz”, compartilha a rotina.
A experiência em Caxias do Sul tem um caráter inédito que, de fato, faz diferença na vida das pessoas, como observa Vanius Corte, gerente regional do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em Caxias do Sul, e um grande parceiro do projeto. “A fiscalização é feita há muito tempo por conta da lei de cotas. As empresas geralmente optam pela menor deficiência possível, nada que represente grande comprometimento ou prejuízo funcional. Quando uma pessoa com deficiência psicossocial é incluída no trabalho, modifica a vida de várias pessoas. O trabalho e a autonomia mudam a visão dela e das pessoas da família em relação a ela. Muda também a vida dos colegas, que tinham esse preconceito e acabam vendo que é só uma deficiência, que podem conviver e perceber que aquela pessoa tem muitas qualidades. É uma iniciativa que também muda a cabeça do empregador e o resultado é muito interessante hoje. Quando as empresas nos perguntam, a gente indica o CAPS com muita satisfação”.