Sobre a perseverança em defesa do cumprimento da Lei de Cotas

Rafael Giguer – Auditor Fiscal

Lembro da primeira vez que vi uma nota em um jornal informando que determinada empresa que eu havia notificado estava com vagas para pessoas com deficiência. Me lembro como achei emocionante aquela pequena materialização do meu trabalho. Eu era Auditor há pouco tempo e não percebia a real dimensão do potencial de transformação social das ações da Auditoria.

Hoje, nove anos depois, após incontáveis anúncios em jornais feitos por empresas fiscalizadas, programas de inclusão e de aprendizagem, redes de inclusão formadas, eventos lotados de parceiros e milhares de histórias de cidadanias resgatadas pelo trabalho em decorrência das fiscalizações, vejo a publicação em jornal que a empresa fiscalizada de hoje me traz.

Desta vez não é mais apenas uma nota divulgando vagas, mas uma matéria de página inteira em que a comunidade daquele pequeno município comemora a primeira pessoa com deficiência contratada em sua cidade do interior. Essa notícia, assim como a primeira de nove anos atrás, também me emociona, mas por outras razões.

A primeira razão vem do peso da constatação que, de fato, pequenos municípios onde não existem empresas com 100 ou mais empregados dificilmente têm sua população com deficiência entre os trabalhadores da cidade. Isto porque apenas empresas grandes são obrigadas a contratar pessoas com deficiência e por mais que a maioria dos trabalhadores sejam empregados de pequenas empresas, 93% das pessoas com deficiência laboram em empresas obrigadas a manter cota. Assim, se não há lei obrigando, ou fiscalização exigindo, lamentavelmente o direito ao trabalho destes cidadãos é ignorado, restando o desemprego e a vida sem ocupação. O que explica esta primeira contratação notificada em jornal é que, por sorte, nesse município há uma filial de uma grande empresa que fiscalizo, trazendo a oportunidade de trabalho a pelo menos um aluno da escola especial da cidade – o qual agora, depois dessa matéria, já é celebridade local. Esperamos que essa contratação, ainda que de forma tímida, comece a mudar a cabeça, a percepção e aos poucos as atitudes da comunidade em relação ao direito ao trabalho das pessoas com deficiência na cidade.

Minha segunda emoção em relação à matéria no jornal que vejo hoje, vem desta felicidade da comunidade, que comemora a inclusão que começa a acontecer. Essa alegria se mistura com o entusiasmo das gestoras da empresa em me apresentar não só a cota completa, mas as percepções das consequências de uma adequada inclusão na empresa. Contam, com admiração, que depois de alguns anos de uma cultura inclusiva, convivendo com a diversidade das pessoas com deficiência na empresa, os gerentes locais fazem eventos de inclusão e projetos por conta própria, sem nenhuma exigência de meta ou cobrança da gestão central. Falam de como o ambiente foi humanizado e os colegas naturalmente acolhem os colegas – não só com deficiência mas também aqueles em condição de vulnerabilidade -, seja organizando a primeira festa de aniversário da vida de um deles ou oferecendo suporte emocional e mesmo financeiro para outra que engravida muito jovem.

A fiscalização de cota tem como objetivo principal a contratação direta das pessoas com deficiência, pois sem tal exigência infelizmente nossa sociedade ainda não as contrata. Mas existe um outro resultado atingido em consequência desta contratação de PCD: ao conviver com a diferença e entender as limitações que os outros experimentam, nos tornamos mais empáticos e humanos. Também aprendemos que as limitações e diferenças não inferiorizam os direitos de ninguém. Assim, aos poucos, com a convivência e contato com as pessoas com deficiência, passamos a construir uma sociedade onde todos, independente de sua compleição física, sensorial, intelectual ou mental possam viver em sociedade e com dignidade.

Jéssica (nome fictício), funcionária da empresa, acaba de ter seu filho de 3 anos diagnosticado com autismo, e conta essa notícia para a chefe de RH, externalizando sua insegurança e preocupação. A chefe de RH então fala:

“Olha para todos estes teus colegas ao redor, com as mais diferentes deficiências e trabalhando de forma produtiva. Para eles demorou até que pudessem trabalhar, mas teu filho já chega nesse novo mundo mais inclusivo… ele vai ter oportunidades, sim.”

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