Auditora-fiscal do Trabalho da SRT-SPE lança livro sobre Direito Antidiscriminatório

Publicado em: 24/11/2025


O tema da pesquisa já é obrigatório em concursos públicos e o livro “Inclusão da pessoa com deficiência no trabalho: contribuições do Direito Antidiscriminatório” pode ser adquirido no site da Editora Dialética

A escritora e auditora fiscal do trabalho da SRT-SPE, Leila Damasceno, acaba de lançar o livro “Inclusão da pessoa com deficiência no trabalho: contribuições do Direito Antidiscriminatório”, fruto da dissertação do mestrado que finalizou em 2024. A orientação da pesquisa e tese foi feita no Núcleo de Direitos Humanos da PUC SP. Leila Damasceno lançou também, na Feira Internacional do Livro de 2025, seu primeiro livro sobre relacionamentos igualitários entre homens e mulheres.

Leila Damasceno é uma mulher de pele moreno-claro, cabelos longos e lisos, com luzes loiras. É alta, esguia, está de pé conversando com uma mulher que está comprando seu livro. Ela usa macacão de cor rosa-antigo, e está na feira internacional do livro.
A autora no lançamento do seu primeiro livro, na FLIP 2025 em Paraty.

Na entrevista abaixo, de novembro de 2024, um pouco antes da defesa da tese, a autora explicou as motivações que a levaram a escolha do tema da sua pesquisa.

P: Leila, como seria o resumo da sua trajetória profissional?

R: Sou servidora pública, graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia, pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela FGV, em São Paulo, e mestranda.

P: Qual o tema da sua dissertação de Mestrado e onde será a defesa?

R: O tema da dissertação é “Inclusão da Pessoa com Deficiência no Trabalho – Contribuições do Direito Antidiscriminatório“, e a defesa ocorrerá no início de dezembro de 2024, na PUC de São Paulo, no programa de Direito, pelo Núcleo de Direitos Humanos.

P: Como sua experiência profissional se relaciona com o tema do Mestrado?

R: Como servidora pública, trabalho com inclusão de pessoas com deficiência. O tema da dissertação é o mesmo do meu trabalho, e a ideia de focar no “direito antidiscriminatório” surgiu a partir da minha experiência profissional e formação em Direito. Obtive uma licença parcial do trabalho para me dedicar ao Mestrado, já que o tema é diretamente ligado à sua atuação.

P: Por que a escolha pelo “direito antidiscriminatório”?

R: A escolha se deu por entender que o principal obstáculo para a inclusão da pessoa com deficiência no trabalho é a discriminação. Não consigo enxergar uma empresa que não cumpre a cota de pessoa com deficiência sem o viés da discriminação, seja ela indireta, organizacional ou estrutural, como na sociedade brasileira em geral.

P: O direito antidiscriminatório tem recebido atenção no Brasil?

R: Embora não tenha recebido tanta atenção da doutrina e da jurisprudência brasileira, isso vem mudando. Em outubro de 2021, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução nº 423, que tornou o direito antidiscriminação (ou antidiscriminatório) uma disciplina obrigatória em todos os concursos de magistratura dos tribunais do país.

P: A Resolução do CNJ é específica para pessoas com deficiência?

R: Não, a Resolução é geral, obrigando os candidatos a se prepararem e conhecerem o direito antidiscriminatório. No entanto, o conhecimento da base da teoria pode ser aplicado à questão das pessoas com deficiência, como fiz em meu trabalho.

P: Em que se baseia a teoria do direito antidiscriminatório que você utilizou?

R: Na doutrina do professor Adilson Moreira, que construiu o Tratado de Direito Antidiscriminatório. Embora a obra seja muito fundamentada na questão da discriminação racial (o autor é negro), o mecanismo de funcionamento da discriminação é muito parecido, e a base da teoria é a mesma.

P: Qual o status da proibição da discriminação na Constituição Brasileira?

R: A Constituição estabeleceu a proibição da discriminação como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Por isso, essa proibição tem um status superior aos demais direitos fundamentais, pois também tem caráter instrumental: se a pessoa é discriminada, não consegue exercer os outros direitos fundamentais previstos na Constituição.

P: Qual a natureza jurídica do direito antidiscriminatório?

R: O direito antidiscriminatório é um ramo do direito constitucional. Ele engloba várias normas e políticas públicas que tratam da proteção de grupos vulneráveis na sociedade brasileira como um todo, e não apenas das pessoas com deficiência.

P: O termo “capacitismo” se encaixa nesse estudo?

R: Sim. Capacitismo é a forma como se convencionou chamar a discriminação contra as pessoas com deficiência, e trato muito sobre isso em meu trabalho: a forma como o capacitismo opera.

P: Como define o capacitismo e como ele opera no ambiente profissional?

R: Tradicionalmente, a discriminação é vista como direta, baseada em critérios de intencionalidade ou arbitrariedade. No entanto, existem outras formas, inclusive inconscientes, baseadas em estereótipos que circulam na sociedade. Um deles é o estereótipo da incapacidade das pessoas com deficiência. Isso faz com que esse segmento seja prejudicado profissionalmente, pois o estereótipo da incapacidade entra em conflito com a necessidade de ser “capaz” para o trabalho.

P: Quais as consequências desse estereótipo?

R: Mesmo pessoas com ideais igualitários, criadas em uma sociedade estruturalmente capacitista, podem inconscientemente negar oportunidades. A falta de convivência, desde a educação escolar, faz com que as pessoas cresçam com a noção de que Pessoas com Deficiência (PcD) não podem ocupar determinados espaços sociais e não são agentes sociais competentes, o que resulta na negação de muitas oportunidades, principalmente profissionais.

P: Você também aborda o capacitismo interno?

R: Sim. Toda essa construção social afeta não apenas as pessoas sem deficiência, mas também as próprias pessoas com deficiência, por meio das microagressões (insultos, às vezes velados, verbais ou não verbais) que sofrem no dia a dia. Muitas vezes, as pessoas com deficiência terminam internalizando esse discurso, reproduzindo falta de autoestima, descrença no próprio potencial e até falas capacitistas.

P: Qual o objetivo principal do seu trabalho?

R: A ideia principal é trazer o conhecimento, de forma geral, e mais especificamente o conhecimento do direito antidiscriminatório, mostrando como ele pode ajudar a desconstruir toda essa estrutura de discriminação. Acredito que, ao entenderem o mecanismo da discriminação, as empresas e a sociedade podem adotar posturas que facilitem a inclusão das pessoas com deficiência, em vez de buscar apenas “soluções rápidas” de contratação.

P: Seu estudo aborda a judicialização de casos de capacitismo?

R: O estudo não trata especificamente da jurisprudência em torno dessa questão. No entanto, coloca o assédio e a discriminação no mesmo “pacote” que precisa ser desconstruído para uma inclusão quantitativa e qualitativa. Boa parte do comportamento de assédio é feito por ignorância, por as pessoas não saberem como conviver devido à exclusão.

P: Qual o exemplo de fala capacitista “por ignorância” você poderia citar?

R: Um exemplo é quando as pessoas não sabem que dizer “Nossa, que exemplo de superação! Ela é uma cadeirante e é uma mãe incrível!” é uma fala capacitista. Elas acham que estão elogiando. A única forma de melhorar o panorama é pelo conhecimento, que vá além da noção básica de que o preconceito é só aquele mais escancarado.

P: Qual é a “segunda teoria de segunda geração” sobre a discriminação que você menciona?

R: É a teoria da discriminação indireta, que surgiu nos Estados Unidos, ligada ao racismo. A Suprema Corte avaliou um caso em que critérios de acesso ao emprego eram formalmente neutros, mas, na prática, favoreciam o grupo de pessoas brancas (após o fim da segregação racial), porque só elas tinham tido acesso à educação para atender a esses requisitos.

P: Como essa discriminação indireta se manifesta no Brasil, na inclusão das pessoas com deficiência?

R: Isso acontece muito no Brasil. As empresas abrem processos seletivos “isonômicos” e “iguais para todos”, mas não consideram que as pessoas com deficiência já enfrentam barreiras e, por isso, não podem concorrer nos mesmos moldes. Os critérios estabelecidos para as vagas “padrão” e “atingíveis”, terminam impossibilitando o trabalho.

P: O que mais torna a discriminação explícita ou velada no ambiente de trabalho?

R: Além dos critérios que impossibilitam, há a falta de acessibilidade explícita, como a sala de treinamento introdutório no segundo andar sem elevador/rampa, ou a ausência de Libras ou descrição para vídeos no treinamento. Isso impede que a pessoa tenha acesso aos conhecimentos básicos para se tornar um bom profissional.

P: O seu trabalho engloba outras medidas além do direito antidiscriminatório?

R: Sim, a ideia do trabalho é falar sobre esse conjunto, que inclui Acessibilidade, outras medidas e políticas públicas (como a Lei de Licitações, que passou a exigir a declaração de cumprimento de cota), treinamentos e a eliminação de requisitos que não fazem sentido para a função. Tudo está relacionado ao tema da discriminação.

P: Como você avalia a abordagem do tema na academia (Direito)?

R: Ainda é muito incipiente. A resolução do CNJ é um avanço, mas a academia precisa avançar mais. Tive uma disciplina no mestrado sobre o tema, o que já foi positivo (em um Núcleo de Direitos Humanos), mas é insuficiente. Esse problema está relacionado à falta de acesso das pessoas com deficiência à graduação e ao mestrado, o que dificulta a inserção dessas pautas, pois falta quem as reivindique.

P: Qual a sua visão sobre o papel do Direito na transformação social?

R: O autor Boaventura Sousa Santos questiona se o Direito pode ser emancipatório. O Direito pode ser usado para ajudar a luta contra a opressão ou de forma contrária. No entanto, o Direito não é a única resposta; o que é emancipatório é a luta e a organização dos grupos oprimidos que buscam e reivindicam.

P: Como você pretende atuar para divulgar esse conhecimento após o Mestrado?

R: Como acadêmica, gostaria de divulgar a dissertação de todas as formas possíveis. Como servidora pública, assinei um compromisso com o Ministério do Trabalho de divulgar e fazer capacitações sobre o tema.

P: Qual a sua proposta de atuação no serviço público?

R: Desejo integrar o conhecimento na fiscalização. Atualmente, no Ministério do Trabalho, a fiscalização de inclusão (cotas e acessibilidade) é separada do grupo de combate à discriminação. Acredito que é cada vez mais importante que a fiscalização de inclusão olhe também para a questão da discriminação no ambiente de trabalho.

P: Qual o paradigma de igualdade que você defende?

R: Defendo o paradigma da igualdade como capacidade (ou teoria da igualdade por capacidade), que vai além da igualdade formal (da lei) e da igualdade material (acesso aos mesmos bens). Dar acesso aos mesmos bens não garante uma vida digna a uma pessoa com deficiência, pois ela tem outros custos e dificuldades de inclusão. O importante é que a pessoa tenha acesso ao trabalho e, além disso, que possa se desenvolver, fazer escolhas, ter autonomia e capacidade de desenvolver suas habilidades.

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