Do estudante ao profissional com deficiência – Como barreiras e ações afirmativas impactam na formação e empregabilidade de milhões de brasileiros
Publicado em: 17/01/2020
Dados revelam que a segregação e o assistencialismo continuam a ser os maiores obstáculos à pessoa com deficiência no país
Por Lucas Borba
Quando falamos na educação e empregabilidade de pessoas com deficiência, não são incomuns temas como a Política de Educação Especial do Governo Federal, as barreiras de acessibilidade em escolas e universidades, a Lei de Cotas (Lei Federal nº 8.213), a postura e a condição interna das empresas para a efetiva inclusão desses profissionais no mundo do trabalho. Apesar do discurso recorrente de que não se encontram representantes do segmento nos processos de pré-seleção, o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que de 7% a 24% da população brasileira possui algum nível de deficiência. Tomando por base a maior porcentagem (cerca de 45 milhões de pessoas), o censo aponta que 66% delas são economicamente ativas e 21% têm ensino médio completo.
Não há um percentual atualizado oficial de pessoas com deficiência com ensino superior completo, mas em 2010 o IBGE já havia identificado que 7% tinha essa escolaridade. A publicitária Mariana Alves, 29, há dois anos reside na capital paulista. Natural de Chapecó, SC, ela sempre quis viver em uma cidade grande. “Tenho parentes em São Paulo e, quando eu vinha passar as férias com eles, era estranho voltar pra minha terra, porque passei a gostar da vida em uma cidade cosmopolita, com tantas pessoas diferentes”, conta Mariana. Desde que a publicitária chegou à capital, porém, a busca por uma oportunidade profissional segue em aberto.
Para divulgar o currículo, Mariana utiliza sites especializados e participa de ações que promovem a interação entre profissionais e empresas de segmentos distintos. O currículo inclui o número do seu CID (Classificação Internacional de Doenças), já que ela é uma pessoa com baixa visão. Segundo o portal eMAG (Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico), o quadro se caracteriza pelo comprometimento visual em ambos os olhos, mesmo após correção com uso de óculos ou lentes de contato, embora a pessoa utilize ou seja potencialmente capaz de utilizar a visão para o planejamento e a execução de algumas tarefas. Nesse sentido, Mariana relata que já teve boas e más experiências em entrevistas de emprego. “Assim como fui realizar um teste de pré-seleção e sequer perguntaram se eu precisava de um texto ampliado ou de algum recurso específico, sabendo da minha baixa visão, em outra ocasião fui muito bem recebida em uma empresa onde deixaram eu usar um computador para responder ao mesmo tipo de prova, e havia uma pessoa encarregada de confirmar se eu tinha todos os recursos de que precisava”, recorda.
E o que dizer das perspectivas profissionais das até 35 milhões de pessoas com deficiência, conforme o IBGE, que não completaram o ensino médio? Segundo o Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS) 2018, divulgado pelo Ministério da Economia, 70% das contratações de pessoas com deficiência para empregos formais de trabalho incidem sobre profissionais com ensino médio completo ou mais.
Quanto ao Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019, nos últimos 10 anos o percentual de alunos com deficiência matriculados no ensino regular subiu de 47% para 86%. O problema é que, como a contabilização de estudantes é restrita ao Censo Escolar, os dados sobre crianças e jovens com deficiência que não têm acesso à educação continuam na invisibilidade. Além disso, como consta em artigo publicado no portal da Associação Nova Escola, a educação inclusiva no Brasil ainda enfrenta desafios, como a falta de professores capacitados, de acessibilidade física nas escolas e de salas de recursos multifuncionais para atendimento educacional especializado.
Atendimento esse que pode ser ainda mais afetado pela nova Política Nacional de Educação Especial, cujo texto deve ser divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) ainda no começo deste ano e, se aprovado, tornará opcional a inclusão de uma criança ou adolescente com deficiência na escola regular (com salas de aula comuns), a partir da criação de novos centros de educação especial (exclusivos para crianças e adolescentes com deficiência).
Uma pesquisa que acaba de ser divulgada pelo Instituto Jô Clemente (IJC), antiga Apae de São Paulo, comprova o retrocesso que a validação dessa proposta representaria. O estudo iniciado em 2010 acompanhou o desenvolvimento de 109 crianças e jovens atendidos pelo IJC em escolas regulares e especiais. No caso dos 43 estudantes que frequentaram escolas comuns, foram observados ganhos na identidade, autonomia (locomovendo-se com independência pelos espaços das escolas), comunicação, linguagem, expressão, relacionamento interpessoal e aprendizagem, demonstrando desejos e maior interesse nas atividades propostas. Quanto aos 66 alunos que estudaram em escolas especiais, constataram-se poucos avanços na autonomia, no aprendizado e comportamento social, com o grupo apresentando atitudes infantilizadas, comportamentos inadequados, dificuldades para enfrentar e resolver conflitos, vocabulário restrito e fora de contexto para expor suas ideias e se fazer entender perante os colegas e adultos, demonstrando pouco interesse e iniciativa frente às atividades.
A ideia de isolamento da pessoa com deficiência, de uma política assistencialista ameaça também a Lei de Cotas, com o Projeto de Lei (PL) 6.159, que foi publicado em novembro de 2019 pelo Poder Executivo e segue tramitando. Se aprovado, o projeto anula a obrigatoriedade da Lei de Cotas, possibilitando que as empresas destinem um fundo capital para instituições voltadas à reabilitação de pessoas com deficiência e, assim, se eximam da contratação.
Ensino superior
No que diz respeito à presença de pessoas com deficiência no ensino superior, dados do Censo da Educação Superior de 2016 revelam que, do total de 8 milhões de matrículas, 0,45% são de alunos com deficiência. Na rede privada, o percentual cai para 0,35%. Como se não bastasse, a evasão entre esses estudantes é de 27%, sendo maior na rede privada, que chega a 31,5%.
Um artigo publicado no blog da startup Hand Talk cita barreiras de acessibilidade a serem quebradas por instituições de ensino superior no Brasil. Ações de acessibilidade que contemplem as diferentes deficiências (física, visual, auditiva, cognitiva, etc.) são necessárias em ambientes físicos, nos materiais acadêmicos, na didática dos professores, na comunicação e também nos espaços virtuais. Afinal, como aponta o artigo, os sites das universidades estão entre os seus principais canais de comunicação, onde a maior parte da informação está reunida e, por isso, devem disponibilizar recursos de acessibilidade, como descrições de imagens para pessoas cegas ou com baixa visão e tradução na Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) para pessoas surdas.
Formação e prática
Segundo a RAIS 2018, quase meio milhão de brasileiros com deficiência (1% do segmento no país) são beneficiados pela Lei de Cotas com contratos formais de trabalho. Em um cenário nacional no qual mesmo uma formação universitária está longe de ser garantia de empregabilidade para essas pessoas, existem empresas que desenvolvem boas práticas em prol da formação continuada de seus funcionários, com ou sem deficiência, assim não apenas favorecendo o desenvolvimento destes, mas também o plano de carreira dos profissionais dentro da organização.
É o caso da EY Brasil, que integra a Rede Empresarial de Inclusão Social pela Empregabilidade da Pessoa com Deficiência (REIS). A partir de estudos de caso, a empresa reembolsa uma porcentagem do custo mensal de colaboradores que estejam cursando uma graduação condizente com cargos da firma. “A prática beneficia colaboradores com e sem deficiência do nosso quadro de funcionários e demonstra a crença da empresa de que, ao investir em profissionais com potencial, todos saem ganhando.”, declara João Flores, Analista de Diversidade e Inclusão da EY.
Um benefício também é destinado a colaboradores em cargos sênior, que, a partir de uma pré-seleção, recebem reembolso para cursos de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV).