MANIFESTO CONTRA A VENDA COM EXCLUSIVA DE RASPADINHA PELAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Publicado em: 11/05/2023


O Manifesto abaixo foi escrito por entidades e militantes pelos direitos das pessoas com deficiência, com uma posição contrária à proposta da venda das raspadinhas ser feita exclusivamente por pessoas com deficiência. Os motivos estão explicitados no próprio Manifesto. Aqueles que concordarem poderão assiná-lo clicando no link: https://forms.gle/iNkSXD8LeR44Rba19

Quem somos?
Somos um movimento da sociedade civil que tem como missão promover a defesa dos direitos humanos e o exercício da cidadania das pessoas com deficiência do Brasil.

Objetivo do formulário;
Coleta de assinaturas, ao final da mobilização iremos entregar um documento com todas as assinaturas coletadas!

Público-alvo: Pessoas com Deficiência, familiares, conselhos, entidades e organizações de representação, movimentos da sociedade civil e pessoas físicas.

MANIFESTO CONTRA A VENDA EXCLUSIVA DE RASPADINHA
PELAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Quem escolhe seu trabalho é a Pessoa com Deficiência!

Nós, pessoas com deficiência de todo Brasil, aqui representadas por Movimentos Sociais, Coletivos, Conselhos de Direitos, Associações, Instituições, Partidos Políticos, Profissionais com e sem deficiência que atuam nas do trabalho, saúde, direito, educação e cultura em todo o país, manifestamo-nos contrárias à venda de bilhetes da LOTEX, antiga raspadinha, exclusivamente por pessoas com deficiência nas ruas ou em qualquer outro lugar.

A medida provisória, anunciada pelo Ministério da Fazenda, representaria um retrocesso em relação às políticas de emprego e renda presentes na lei de cotas e respaldadas pela Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, na Lei Brasileira de Inclusão e nas políticas públicas de formação profissional existentes.

Essa medida representaria trabalho estigmatizante e possivelmente precarizado, fortalecendo o capacitismo e a discriminação. Ela iria em direção contrária aos direitos expressos na Constituição Federal, na lei de cotas, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e na Lei Brasileira de Inclusão.

O artigo 34 da lei Brasileira de Inclusão afirma que as pessoas com deficiência têm direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Este é o lema deste Manifesto: “Quem escolhe seu trabalho é a Pessoa com Deficiência!”

Os principais impactos negativos deste tipo de venda sendo exclusiva para pessoas com deficiência seriam:

  1. Retrocesso à política que já existiu no Brasil na década de 60 que marcou gerações com forte caráter assistencialista, caritativo e estigmatizante. Em julho de 1961, o então presidente Jânio Quadros editou o decreto 50.954, que entre outras aberrações reservava a venda dos bilhetes para vendedores autônomos obrigatoriamente escolhidos dentre pessoas que, “por serem idosas, inválidas ou portadoras de defeito físico, não tivessem condições de prover a sua subsistência por meio de outra atividade e que sua remuneração não seria superior a um salário mínimo”. A compra de bilhetes era um ato de caridade e não uma transação comercial. Essa imagem ainda está presente na ideia de muitas pessoas. Era um trabalho que as pessoas com deficiência não sonhavam, mas era uma “alternativa” mal pensada ao pedido de esmola;
  2. Dificuldade de agregar valor, com garantia de postos de trabalho acessíveis e dignidade financeira às pessoas com deficiência. Dados de 2021, do Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho – Radar SIT mostram que mais de 90% das Pessoas com Deficiência no Brasil estão em empresas com 100 ou mais empregados. Essas empresas são abrangidas pela lei de cotas e fiscalizadas com maior frequência. A venda da raspadinha, em quaisquer modalidades (ambulante, em casas lotéricas, de forma remota) necessitaria de recursos humanos e materiais enormes por parte da fiscalização e órgãos de controle para poder garantir direitos trabalhistas e postos de trabalho acessíveis. Na Espanha, citada por algumas instituições de pessoas com deficiência como modelo, a ONCE, Organização Nacional de Cegos Espanhóis, criada na ditadura do General Francisco Franco em 1938, tem sido denunciada por sindicatos por ter contratos precários; pela pressão de atingir um mínimo de vendas, o que obriga muitos a trabalhar em horários prolongados, nas férias, feriados, etc. Seria mais digno que o Estado brasileiro destinasse recursos para incentivar políticas públicas que garantissem à Pessoa com Deficiência o direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação;
  3. Representar uma alternativa, que por ser exclusiva para Pessoas com Deficiência, poderia contribuir para o direcionamento para esse trabalho. Atualmente há um número significativo de pessoas com deficiência se profissionalizando e/ou já incluídas no mundo do trabalho. Portanto, é preciso fortalecer e ampliar políticas públicas que garantam a entrada, permanência e promoção, com acessibilidade e dignidade, garantindo seus direitos trabalhistas vigentes. Tais políticas precisam ocorrer de forma interseccional, baseadas nos marcadores de identidade que compõem a sociedade brasileira: raça/etnia, classe social, sexualidades, gênero que, somados às barreiras do marcador da deficiência reforçam o estigma já ultrapassado do modelo caritativo. Esta perspectiva interseccional permite perceber a complexidade das desigualdades sociais e, como uma medida como essa enfatizará a situação vulnerável a que podem estar sujeitas as pessoas com deficiência.

A alternativa que entendemos ser mais adequada e alinhada com a Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência será a utilização de parte do recurso proveniente da venda de raspadinhas ser direcionada ao fomento de políticas de real inclusão da pessoa com deficiência no trabalho, como:

  1. Implantar a avaliação biopsicossocial da deficiência que garanta ultrapassar definitivamente o conceito médico e assistencialista da deficiência;
  2. Incentivar a qualificação profissional, incluindo a aprendizagem profissional, regulada por legislação existente e socialmente protegida;
  3. Implementar o emprego apoiado, possibilitando a inclusão de pessoas com deficiência com impedimentos;
  4. Fortalecer a rede de encaminhamento de candidatos com deficiência e a atuação dos Auditores Fiscais do Trabalho, responsáveis pela fiscalização da lei de cotas e pelo combate à discriminação e ao assédio no trabalho.

Propomos ainda uma maior discussão com a sociedade civil organizada, em especial com as entidades de pessoas com deficiência, para a construção dessa política pública, respeitando o lema “nada sobre nós sem nós” e a garantia de transversalidade do tema inclusão e acessibilidade.

Colocamos nosso conhecimento à disposição para colaborar na formatação de políticas públicas que promovam efetivamente o acesso das pessoas com deficiência ao mundo laboral, exercendo o trabalho com dignidade e segurança, com possibilidade de ascensão profissional, sem reforçar estigmas sociais.

Quem escolhe seu trabalho é a Pessoa com Deficiência!

Brasil, 10 de maio de 2023.

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