Mesmo qualificadas, pessoas com deficiência enfrentam resistência em processos seletivos

Publicado em: 09/04/2017


O Brasil é considerado um dos países mais avançados no que diz respeito à legislação para pessoas com deficiência graças à Lei de Cotas, principal alavanca para a inserção deste público no mercado de trabalho. O percentual de contratações de pessoas com deficiência aplicado pela Lei Cotas é proporcional ao número total de  100 empregados ou mais por empresa, indo de 2% nas que têm de 100 a 200 empregados até 5% para 1.001 colaboradores em diante.

Ao contrário do que muitos afirmam, a baixa qualificação não é inerente à pessoa com deficiência, mas à sociedade e ao mercado em geral. O problema se agrava para as pessoas com deficiência com a falta de acessibilidade urbana, de transporte público acessível, de centros de formação e aprimoramento, de cultura organizacional inclusiva, de escolas públicas e privadas preparadas para incluir. E a situação fica mais difícil para as pessoas com deficiência quando, na ânsia de cumprir a Lei de Cotas, algumas empresas abrem vagas exclusivas para a área operacional e os candidatos com deficiência preparados e com nível de escolaridade superior acabam excluídos pela escassez de cargos seniores. É o caso de Suely Gonçalves, de 54 anos, formada em Administração de Empresas e que após 2 anos desempregada, não consegue recolocação à altura de sua formação.  “Tenho nível superior, mas me chamam apenas para vagas de faxineira”, relata. O detalhe é que ela perdeu 3 dedos de uma das mãos, e sua deficiência é insignificante para o desempenho de sua profissão.

O estudo “Expectativas e Percepções Sobre a Inclusão de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho”, de 2015, realizado pela consultoria i.Social, traz alguns pontos reveladores:

  • 49% dos profissionais de RH responsáveis pelo recrutamento são gerentes, coordenadores e diretores.
  • Apenas 35% do total consideram ter bons conhecimentos sobre a Lei de Cotas.
  • 82% afirmam que a empresa contrata pessoas com deficiência apenas para cumprir a Lei de Cotas.
  • 60% creem que o preconceito está presente no ambiente de trabalho, seja por colegas (42%), gestores (30%) ou clientes (27%).

Outros dados importantes que esse levantamento mostra é que 82% dos entrevistados consideram que a busca por profissionais com deficiência “é mais difícil” em comparação com aqueles sem deficiência. O estudo identificou que as fontes para recrutamento nas empresas são diversificadas, e que a predominância é de “indicações” (58%) e busca em ONGs de assistência (55%). Ou seja, por um lado, as contratantes não têm um banco de currículos qualificado, por outro,  há a percepção – equivocada – de que as pessoas com deficiência são vinculadas a ONGs.

Contrariando o mito da qualificação, 54% dos entrevistados de RH e demais gestores consideram que a qualificação desses profissionais está na média ou “acima dela”. Ainda assim, há uma baixa qualidade no processo de inclusão, pois a maior parte das empresas (82%,  como listado no início desta matéria), considera a contratação um custo e não investimento, portanto não disponibiliza recursos, tempo e profissionais para o processo de inclusão.

Outro caso emblemático é de Adelmo Moreira que, aos 12 anos (1982), sofreu um acidente na rede elétrica da Eletropaulo, e teve as mãos e os antebraços amputados. Mesmo nessas condições retomou os estudos, e aos 23 anos se formou na faculdade de direito (1992). Passou no primeiro exame da Ordem dos Advogados do Brasil (1993), e já acumula 24 anos de experiência. Aos 47 anos, porém, nunca recebeu qualquer auxílio do governo (pensão, aposentadoria, Loas, etc), ou indenização da Eletropaulo. Procura  colocação no mercado de trabalho, “mas as poucas oportunidades que me foram oferecidas eram para exercer funções sem qualquer qualificação, e com salários totalmente incompatíveis com a minha formação acadêmica, o que me levou ao trabalho autônomo, sem vínculo empregatício, ou garantias trabalhistas e previdenciárias”. Adelmo já atuou como consultor jurídico  autônomo de algumas empresas, e consultor na Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), em conjunto com o Ministério do Esporte.

“Creio que a denominada quota reservada em empresas para pessoas portadoras de deficiências apenas é preenchida quando o trabalhador não tem outra opção de subsistir,  e se submete ao trabalho menos qualificado e ao baixo salário. Estou procurando um emprego estável e digno há mais de seis anos e não obtenho êxito, pois as empresas não avaliam minha capacidade profissional, ao contrário, baseiam-se  somente numa suposta barreira em razão de eu ser portador de deficiência física”, lamenta o advogado.

Para Marisa Schain, psicopedagoga da Associação Nacional do Emprego Apoiado (AneaBrasil), que faz a ponte entre a empresa que busca o funcionário e a pessoa que está a procura do emprego, dando capacitação e acompanhando a adaptação dentro da empresa “a cada demanda por vaga é preciso sair em busca do candidato e treiná-lo, pois ele pode ter curso de balconista e aparecer vaga para operador de xerox, por exemplo”. Qualificar a partir do surgimento da vaga, segundo Marisa, “sai mais barato para a empresa do que ficar experimentando e trocando candidatos ou recebendo multas”.

“É preciso treinar a pessoa in loco”, afirma a  psicopedagoga. “As empresas pensam que para cumprir a Lei de Cotas basta abrir a vaga e falar: trabalhe”, ilustra. “Alguém tem que ensinar como fazer as tarefas e todas as questões relativas à função”. Ou seja, para a grande maioria dos que decidem pela contratação e inclusão, ainda falta muita informação sobre pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

Preparação para receber os profissionais com deficiência

A qualificação profissional é, sem dúvida, um dos aspectos relevantes para a contratação das pessoas com deficiência, mas apenas um dos aspectos. Estes profissionais estão se preparando cada vez mais, e ainda há um grande número de pessoas que já são preparadas e adquirem alguma deficiência em decorrência de acidentes ou doenças.

Segundo Ivone Santana, integrante do grupo diretor da Rede Empresarial de Inclusão Social e fundadora do Instituto Modo Parités,  consultoria especializada em estruturação de programas de inclusão em empresas e instituições, “a qualificação do candidato é importante, mas o que determina o sucesso das contratações e permanência destes profissionais é a forma como são atraídos, selecionados, recebidos, integrados e desenvolvidos na empresa”.  Ela ressalta que, devido à exclusão histórica das pessoas com deficiência na sociedade, durante séculos arraigou-se o consenso de que são pessoas inválidas, incapazes ou improdutivas e, ao definir os processos de produção após a Revolução Industrial, as empresas não consideraram a possibilidade de contar com seus serviços.

“Não adianta apenas contratar profissionais bem preparados. A inclusão das pessoas com deficiência deve ser feita em forma de programa, contendo ações de curto, médio e longo prazo, com objetivo de inserir na cultura organizacional da empresa o elemento da inclusão. Quando é feita em formato de programa, a inclusão agrega valor para o negócio, com impacto em melhoria do clima, redução de turnover, aumento da produtividade e mais criatividade nos processos e até na criação de novos produtos. Para se chegar a esse ponto é preciso tornar o ambiente acessível e preparar os profissionais de recursos humanos e os gestores de todas as áreas. As pessoas com deficiência não podem ser discriminadas, mas também não se pode esquecer de que elas têm deficiência e que muitas precisam de adaptação, acessibilidade (comunicacional, arquitetônica, atitudinal) e de recursos de tecnologias assistivas”, explica Ivone Santana.

Fonte da pesquisa sobre mercado: http://isocial.com.br/isocial-download.php
Fonte de consulta: www.redeempresarialdeinclusao.com.br

 

Por Stela Masson, 06/04/2017

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