O grito por identidade da Pessoa Surdocega em meio ao silêncio

Publicado em: 25/06/2025


Por Sergio Gomes para o site da Câmara Paulista de Inclusão

A ciência poderá ter encontrado a cura para a maioria dos males, mas não achou ainda o remédio para o pior de todos: a apatia dos seres humanos” – Helen Keller

Dia 27 de junho comemora-se o Dia Internacional da Pessoa Surdocega. É uma data importante para a conscientização da população sobre essa deficiência que é complexa e não apenas a soma de duas outras, pois a interação e o impacto das perdas visuais e auditivas criam desafios únicos que são significativamente maiores dos que os enfrentados com apenas uma das deficiências isoladamente. Como outras deficiências a surdocegueira pode ser congênita* ou adquira em algum momento da vida.

A data foi escolhida em homenagem a Helen Keller, estadunidense nascida neste dia em 1880. Ela foi a primeira pessoa surdocega a conseguir um bacharelado. Helen não podia enxergar e nem ouvir, mas foi alfabetizada usando a língua de sinais tátil. Ela se tornou escritora, palestrante e ativista social reconhecida internacionalmente.

Segundo a Federação Mundial de Surdocegos (que usa critérios mais flexíveis para considerar alguém com a deficiência) existem entre 16 milhões e 160 milhões de surdocegos em todo o planeta. Já segundo a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos existem cerca de 40 mil surdocegos no Brasil. Nos Estados Unidos há mais de 50 mil pessoas e na União Europeia são 150 mil.

A importância da identidade

Alex Garcia é a pessoa surdocega mais famosa do Brasil e uma das mais conhecidas no mundo por sua forte atuação social. Ele tem hidrocefalia e osteogênese imperfeita (deficiência dos ossos de vidro). É a primeira pessoa com estas três deficiências com pós-graduação, nível de especialização em Educação Especial na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM/RS. Alex aproveitou a data e a entrevista para falar sobre a conscientização do uso correto dos termos para se referir às pessoas surdocegas. “Afirmo que a terminologia correta é pessoa surdocega, não é pessoa com surdocegueira. Estão fazendo isso para torpedear a identidade da pessoa surdocega. Ao escrever pessoa com surdocegueira, acabam pressionando a pessoa com a condição. E isso é uma sutil estratégia da ‘normalidade’ para seguir com o domínio sobre nós. Caso siga pessoa surdocega, ai nos fortalece, pois é direto, identifica e empodera”, comentou Alex.

No artigo 24 da Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, um trecho chave afirma: “Garantia de que a educação de pessoas, em particular crianças cegas, surdocegas e surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados ao indivíduo e em ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e social”. Garcia interpreta que, uma vez que a Convenção usa a expressão “criança surdocega”, o termo mais apropriado para se referir a indivíduos com essa condição, em qualquer fase da vida, seria “pessoa surdocega”, em vez de “pessoa com surdocegueira”.

Surdocegos e comunicação

Uma curiosidade comum, principalmente entre pessoas sem deficiência, é saber como pessoas surdocegas se comunicam. Existem alguns métodos mais comuns: Libras tátil, braille e técnicas como o desenho de letras de forma na palma da mão; além do método tadoma, onde a pessoa surdocega coloca uma das mãos no rosto da pessoa que está falando para perceber as palavras pelos movimentos dos lábios, bochechas de vibração dos sons emitidos. Há também tecnologias assistivas que podem ajudar. Dependendo do caso da pessoa surdocega, ela pode fazer uso de aparelho auditivo, lupas eletrônicas, linha braille (que é um teclado adaptado).

Linha Braille

Existem também pessoas que prestam serviços de apoio para as pessoas surdocegas. Um deles é o instrutor mediador, um profissional que atua com crianças surdocegas congênitas*. Na escola ele identifica como elas se comunicam, que formas de comunicação elas podem aprender e propõe estratégias para que a criança surdocega possa acompanhar as aulas. O outro profissional é o guia-intérprete. Ele é diferente do intérprete de Libras por dominar vários sistemas de comunicação, técnica de audiodescrição e de orientação e mobilidade. Este profissional atua com pessoas com surdocegueira adquirida*.

Descobrindo a identidade surdocega

Segundo a professora Adenize Queiroz de Farias da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) é muito importante discutir a questão das pessoas surdocegas não só no âmbito da universidade, mas também da educação básica em especial no nordeste, pois as experiências locais são muito insipientes. Já para José Carlos de Oliveira (professor e doutorando da Universidade Federal de Uberlândia), há outros sinais para a mesma palavra em diferentes regiões do Brasil, por isso é importante respeitar os regionalismos.

Por ser uma pessoa surdocega e membro da Associação Brasileira das Pessoas Surdocegas, José também explicou que: “Surdocegueira envolve, na área da saúde, três diferentes especialistas: o oftalmologista, o otorrinolaringologista e a área que cuida das questões genéticas. E cada um desses especialistas tem um CID (Classificação Internacional de Doenças) diferente. Por isso seria importante que houvesse um CID único para identificar a surdocegueira”.

O professor José Carlos também chama a atenção que é comum que se pense que os surdocegos são todos iguais. Eles não são, pois suas histórias, experiências de vida e identidade são bem diferentes! “Por isso, e preciso ver também a que grupo essa pessoa pertence, como foi e como é a sua relação com a família e a sociedade, além da questão da comunicação para ajudar a elaborar a melhor estratégia que seja mais confortável para ela. É preciso mostrar à pessoa surdocega os vários caminhos que são possíveis. É importante que ela se desenvolva e tenha sua identidade própria dentro da família e da sociedade. É muito importante ela se perceber e se aceitar. Também é importante saber que algumas coisas vão precisar ser adaptadas para melhorar a sua vida em sociedade. Para isso é muito importante as pessoas sem deficiência terem consciência e ajudar e mostrar esse caminho e apoiar as pessoas surdocegas”.

Adenize e José Carlos estiveram no seminário on-line: “A pessoa surdocega desafios e possibilidades no cenário atual” do Nedesp (Núcleo de Educação Especial/UFPB) transmitido através do YouTube.

*Segundo Alex Garcia, os termos congênita e adquirida não são os mais corretos ao se tratar da surdocegueira e ele explica melhor aqui.

Alex Garcia

Fontes de pesquisa:

IFPB

Nedesp

Federação Mundial de Surdocegos

https://cbt.ifsp.edu.br/index.php/noticias/3243-dia-internacional-da-pessoa-com-surdocegueira

https://www.camara.leg.br/noticias/520278-surdocegueira-podera-ter-data-nacional-de-conscientizacao/#:~:text=Segundo%20a%20Federa%C3%A7%C3%A3o%20Nacional%20de,40%20mil%20surdocegos%20no%20Brasil.

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