“Inclusão é um direito inegociável em que todos ganham”

Publicado em: 22/09/2024


Entrevista com Djalma Scartezini, CEO da Rede Empresarial de Inclusão Social (REIS); sábado, 21/9, celebramos o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência

Fonte e reprodução: Blog Vencer Limites, por Luís Alexandre Souza Ventura (https://www.estadao.com.br/brasil/vencer-limites/inclusao-e-um-direito-inegociavel-em-que-todos-ganham/)

“O trabalho da REIS é firmar a inclusão como um direito inegociável. E, quando ela acontece, todos ganham: as empresas, a economia do País e, principalmente, a nossa sociedade”, afirma Djalma Scartezini, CEO da Rede Empresarial de Inclusão Social, instituição nacional que faz parte da Rede Global de Empresas e Deficiência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização das Nações Unidas (ONU), e reúne mais de 100 corporações.

Em entrevista a Vencer Limites, Scartezini fala sobre o combate ao capacitismo e aos constantes ataques à Lei de Cotas, analisa propostas, ou a falta delas, para a população com deficiência nas eleições, e defende de que maneira ESG e ROI precisam incluir trabalhadores com deficiência.

O acesso ao mercado de trabalho, com oferta de vagas de qualidade e remuneração equivalente, ocupação de cargos de liderança e real ascensão na carreira, é uma demanda urgente. Embora o Brasil tenha aproximadamente 17 milhões de pessoas com deficiência aptas ao trabalho, pouco mais de 500 mil têm emprego formal e, entre todas as pessoas com deficiência que estão trabalhando, 55% atuam sem registro e as garantias da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Neste sábado, 21/9, celebramos o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, inclusive a luta por trabalho, renda, autonomia e dignidade.

Vencer Limites – Há tentativas constantes no Congresso Nacional e até declarações de integrantes do governo federal – como o ministro do Trabalho, Luiz Marinho – no sentido de flexibilizar a Lei de Cotas, fruto de lobby corporativo, sob o argumento de que contratar pessoas com deficiência é muito difícil e que falta formação e capacitação aos candidatos. Como a REIS avalia esse cenário e o que a rede faz para combater esse capacitismo e fortalecer a Lei de Cotas?

Djalma Scartezini (CEO da REIS) – A REIS, Rede Empresarial de Inclusão Social, em linha com os princípios da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e das Nações Unidas (ONU) para promover a inclusão e a empregabilidade das pessoas com deficiência, se posicionou no início deste ano em relação à fala do ministro, que foi de fato muito infeliz, sobre a incompetência e impossibilidade de contratar pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

Na nossa avaliação, isso não tem fundamento e entendemos que podemos avançar. A nossa postura é clara e contrária à flexibilização da Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência. Temos pessoas altamente capacitadas para preencher e suplantar ainda a Lei de Cotas, marco fundamental para a promoção da inclusão social e laboral de 18,6 milhões de brasileiros que têm algum tipo de deficiência, de acordo com dados do IBGE.

Além disso, os princípios da REIS estão alinhados ao lema internacional das pessoas com deficiência “Nada sobre nós, sem nós”. E diante disso, a REIS tem tido um árduo trabalho de reunir parceiros que tenham o mesmo objetivo e estejam empenhados em garantir oportunidades e capacitação profissional para talentos com deficiência.

Mobilizamos ambientes de negócio para garantir de forma equitativa a inclusão de profissionais com deficiência de forma estruturada. Reiteramos a necessidade de ir além do cumprimento da Lei de Cotas e estabelecer programas internos de capacitação e retenção profissional, destacando que empresas mais diversas são mais produtivas, inovadoras e colaborativas para a sociedade.

Vencer Limites – Candidatos à Prefeitura em várias cidades apresentaram propostas voltadas à população com deficiência nas eleições deste ano, inclusive ações para acesso ao trabalho. Há, de forma geral, uma característica assistencialista, posicionando a pessoa com deficiência como subserviente à estrutura pública. Quais precisam ser as ações das Prefeituras para que haja evolução nesse processo, com projetos que realmente tornem o mercado de trabalho inclusivo, para que o trabalhador com deficiência tenha acesso a renda estável e, por consequência, a autonomia, e se desprenda de benefícios sociais e de iniciativas da administração municipal?

Djalma Scartezini (CEO da REIS) – É importante ressaltar que dos candidatos à prefeitura de São Paulo, nem todos apresentaram sequer propostas para esse público. A REIS considera isso uma falta de informação dos candidatos que estão abrindo mão de uma grande parcela da população. Entendemos que para haver uma evolução nesse processo, precisamos garantir os meios para que as pessoas com deficiência possam chegar ao mercado de trabalho. Isso é oferecer transporte adequado, cidade acessível e com infraestrutura para que as pessoas possam exercer o direito e liberdade de ir e vir, conforme prevê a constituição, oferecer acesso a educação de qualidade e acima de tudo que elas tenham acesso a entrevistas de trabalho, pois muitas vezes elas são descartadas por terem uma deficiência.

E como o foco aqui é empregabilidade, é importante que as pessoas consigam laudos médicos que comprovem o enquadramento legal para reserva de cargos conforme previsto pela “Lei de Cotas”, criada pela Lei 8.213/91.

Isso significa que os candidatos à prefeitura poderiam fazer uma grande ação para conceder laudos médicos para as pessoas com deficiência que estão na fila do SUS (Sistema Único de Saúde) aguardando para receber uma comprovação oficial de sua deficiência, isto é um laudo caracterizador de deficiência como prevêm os dispositivos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência, Lei Brasileira de Inclusão (n° 13.146/2015). Ou laudo complementar, como é requerido para pessoas com deficiências visuais, auditivas e psicossociais como o transtorno do espectro autista (TEA).

Outro ponto importante é que o governo municipal poderia ampliar o Dia D (ação externa para promover a inclusão social e a empregabilidade de pessoas com deficiência). No último dia D, a prefeitura abriu apenas 200 vagas para empregabilidade. Esse dado é irrisório e não muda os indicadores econômicos dada a grandiosidade da capital paulista. Além disso, esse evento poderia ter uma sazonalidade mais frequente, permitindo que pessoas com deficiência tivessem acesso contínuo a oportunidades de emprego e serviços especializados ao longo do ano.

Vencer Limites – O protagonismo dos trabalhadores com deficiência ainda é limitado e sofreu apagamento com o advento do ESG (Environmental, Social and Governance ou Governança Ambiental, Social e Corporativa). Em eventos, discussões, fóruns e outras ações sobre diversidade nas empresas – participação de mulheres, população negra, LGBT+ e grupos minorizados -, pessoas com deficiência sequer são citadas e surgem como parte do etcetera. Há um forte retrocesso nesse cenário. É preciso mudar a estratégia para combater esse atraso? Falta assertividade, ou até agressividade, nessa tática?

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Djalma Scartezini (CEO da REIS) – Eu considero que o ESG é uma nova roupagem do que foi discutido no ano de 1990 sobre o conceito do “triple bottom line” e seu impacto. E que hoje está cada vez mais urgente com a agenda 2030 e os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), criados pela ONU.

Percebo que tudo está conectado com alguns outros conceitos. O ESG ou ASG está conectado com o ROI, outra sigla em inglês para retorno de investimento e impacto nos negócios. Diante disso, entende-se que as empresas estão olhando os outros temas com igual importância, como mulheres na liderança, pessoas pretas, pessoas LGBTQIAP+, e valorizam esse público como um nicho de mercado, que vai trazer retorno de investimento e promover impacto nos negócios. Então, o que precisamos é que as empresas compreendam a importância e necessidade, e que é possível incluir pessoas com deficiência dentro desse cenário.

Primeiro ponto, quando tiramos uma pessoa da invisibilidade e do desemprego trazemos renda e dignidade. Esse cidadão gira a economia, recolhe impostos e deixa de custar para as esferas do governo. Segundo ponto, é preciso enxergar esse público como consumidor.

Por exemplo, nas Paralimpíadas 2024, em Paris, tivemos a oportunidade de ver empresas criando produtos para pessoas com deficiência que já requerem essas necessidades há muitos anos. Vimos a marca Alpargatas criando seu primeiro modelo de chinelos Havaianas para pessoas com deficiência. Outro exemplo é a marca Asics que lançou a linha “Asics Para Todos”, que permite que pessoas com deficiência possam adquirir apenas um dos lados de um par de tênis.

Isso de fato é uma inovação, mas é também um reconhecimento de uma necessidade não atendida há alguns anos pelo mercado. Estamos começando agora a ver a percepção do mercado que está entendendo as pessoas com deficiência como potencial, como alta performance e também como consumidoras.

Além disso, tivemos um resultado expressivo nas Paralimpíadas, os atletas paralímpicos conquistaram 89 medalhas, isso representa 4,5 vezes mais performance. E isso corresponde que, com deficiência, essas pessoas atingem alta performance e são capacitadas para realizar qualquer atividade que desejam.

E, por fim, temos os 17 ODS da ONU. E mais uma nova ODS está sendo discutida para ampliar a equidade racial. Hoje o tema pessoas com deficiência pode ser discutido de forma transversal em quatro deles. O primeiro é sobre a erradicação da pobreza. Temos pessoas com deficiência vivendo na linha da pobreza ou abaixo dela e que poderiam ser beneficiadas com oportunidades de trabalho. O segundo se refere à quinta ODS que remete à igualdade de gênero. Então, reforço que, neste âmbito, também temos pessoas com deficiência. Já o terceiro tema é a oitava ODS que diz respeito ao trabalho decente e crescimento econômico. Então, quando eu crio trabalho decente, eu também incluo pessoas com deficiência e promovo crescimento econômico para que elas alcancem seus objetivos, paguem suas contas e se sintam cidadãs. E por último, não menos importante, é a ODS 10, que fala sobre redução das desigualdades.

E neste quesito do mercado de trabalho, o próprio dado publicado no Relatório Final do Grupo de Trabalho sobre a Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência, instituído pelo Decreto nº 11.487/2023, aponta que 17,5 milhões de pessoas com deficiência estão em idade de trabalhar – representando cerca de 10% da população com 14 anos ou mais. No entanto, apenas 5,1 milhões estão na força de trabalho, representando uma exclusão maior do que a infligida às mulheres. Além disso, o rendimento médio real das pessoas com deficiência é significativamente menor. Em 2022, o rendimento médio mensal foi de R$1.860,00, enquanto para pessoas sem deficiência foi de R$ 2.690,00. Homens com deficiência recebem cerca de 27% a menos que homens sem deficiência. E a diferença para mulheres é ainda maior, com 34% a menos

Por isso, o trabalho da REIS é firmar a inclusão como um direito inegociável. E, quando ela acontece, todos ganham: as empresas, a economia do País e, principalmente, a nossa sociedade.


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