As marcas e o consumidor com deficiência*

Descrição da imagem: uma sequência de 4 ilustrações brancas sob um fundo degradê que vai do azul pro rosa. Em cada ilustração há um círculo e ícones de pessoas com e sem deficiência. Na primeira, as pessoas com deficiência estão fora do círculo das pessoas sem deficiência e abaixo está escrito “exclusão”. Na segunda, as pessoas com deficiência estão reunidas em um círculo separado, fora do círculo de pessoas sem deficiência e abaixo está escrito “segregação. Na terceira, o círculo das pessoas com deficiência se mantém fechado, mas agora está dentro do círculo maior de pessoas sem deficiência, abaixo está escrito “integração”. Na última, todas as pessoas com e sem deficiência estão dentro do mesmo círculo, sem distinção ou separação, abaixo está escrito “inclusão”.*Ana Clara Schneider

Você já parou para pensar que desde que a humanidade existe, as pessoas com deficiência também existem? Isso era, é e continuará sendo, um fato. Não uma suposição, um fato. Não uma tendência, um fato. Não uma modinha, um fato. Não uma fase, um fato. Não é uma questão de “será?”, é uma questão de “sim”.

Antes de futuro, um pouquinho de passado

Felizmente a percepção e interação da sociedade sobre esse fato evoluiu ao longo da história e passamos do modelo médico de entendimento da deficiência — como uma doença a ser “curada”, um desvio do padrão considerado normal a ser “consertado” e principalmente, sendo essa condição atrelada única e exclusivamente à pessoa — para o modelo social de entendimento da deficiência: impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Em interação com diversas barreiras, ou seja, arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e, a mãe de todas as barreiras, a atitudinal. Logo, a deficiência deve ser vista tecnicamente como uma característica funcional — assim como tantas outras características do ser humano — e, politicamente, como uma condição social que depende da relação com o meio ambiente.

E adivinhem quem está nesse meio ? R: as marcas 🙂

De Cannes para o dia a dia

“Antigamente”, via de regra, as marcas só trabalhavam com algo relacionado a pessoas com deficiência em cases para prêmios ou campanhas muito pontuais. Nos últimos anos podemos observar um movimento de “acordar para a diversidade”. Esse comportamento ainda está engatinhando, é verdade, e às vezes damos um passo à frente e dois para trás, mas é um movimento real e muito importante.

Se já começamos a trabalhar e discutir a diversidade de gênero, de raça, de orientação sexual, e de classes, por que não inserirmos aí a pessoa com deficiência? Mas o que será que impede ou atrasa esse movimento?

As 4 fases da aceitação da pessoa com deficiência pelos gerentes de marca

  1. Negação: “Essas pessoas não existem, e se existem, não compram minha marca. Meu target é AB, 25–35, homens e mulheres com lifestyle despojado e fitness, que curtem baladas e tem iPhone 8!” (spoiler alert: tem pessoa com deficiência nesse grupo, beijos).

2. Raiva“AH NÃO. Não pode ser! Eu não acredito que tenho que falar com essas pessoas!!! Arrgh eu tenho que mudar tudo agora? Gastar mais? Pensar mais? Mudar meu status-quo de planejamento e os processos que eu sempre fiz?!

3. Barganha“OK, OK. Mas, ah, será que eu se colocar rampa em 01 (UMA) das 999 lojas que eu tenho JÁ NÃO TÁ BOM?! Vamos fazer 01 (UM) anúncio com uma pessoa com deficiência e já tá jóiaO quê? Tem que descrever a imagem do anúncio? Não posso só dizer que tem o logo da marca? Se colocar tudo isso acho que vai parecer ‘acessível demais’ (sic).”

4. Aceitação: “Rapaz… não é que as pessoas compram mesmo? E que além delas, tem os amigos e familiares que podem ser impactados positivamente e fatalmente contribuir pra uma decisão de compra?”

O caminho por essas fases pode ser lento e custoso, daqueles que requerem muita paciência. Mas é claro que há pessoas que simplesmente pulam para o 4 e percebem que isso aumenta seu público potencial, que pensar na acessibilidade no início do processo é mais barato do que pensar só no fim, que é interessante que sua empresa siga a legislação brasileira, que muitas vezes as adaptações podem ser boa para todos os consumidores — com e sem deficiência — e que, convenhamos, é benéfico para os dois lados. A pessoa se sente mais representada, empoderada, e a marca constrói reputação (que fatalmente pode vir a impactar a conversão). Mas o que será que impede ou atrasa esse movimento? (2)

Questão de prioridades

Design Universal — conceito cunhado por Ronald L. Mace (1985) — sustenta a ideia de projetar (ou no inglês, to design) produtos, serviços, ambientes e interfaces que possam ser usadas pelo maior número possível de pessoas, independentemente, de suas capacidades físico-motoras, idade ou habilidades. Mais do que um conceito, o design universal deve ser encarado como um processo a ser adotado em todas as etapas de desenvolvimento de um projeto.

É aí que entra o pulo do gato. O pensamento da inclusão e da acessibilidade deve ser PARTE DO PROCESSO e, portanto, estar contemplado desde o início.

O que acontece na maioria das vezes é que a acessibilidade aparece (quando aparece) no fim do caminho. Chega depois da campanha pronta, da peça fechada, depois do filme gravado e editado, depois do app programado. Aí toca voltar e refazer, ou dar um jeitinho e coroar com um “e ainda por cima, é acessível!”.

Nesse contexto a acessibilidade ainda é tratada como “cereja do bolo”, quando, na verdade, ela é o fermento.

Um bolo sem fermento até cresce e cumpre seu papel de alimentar uma certa quantidade de pessoas, com uma certa qualidade de bolo. Mas um bolo com fermento fica maior e mais fofinho. Atendendo mais pessoas com uma qualidade melhor.

Tendo isso em vista, fica o questionamento para os profissionais do mercado, sejam dos clientes ou das agências: que bolo você está pensando em fazer pra sua marca?

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Esse texto foi escrito especialmente para o projeto 2020.

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