Artista cego customizou avião para o Rock in Rio

Publicado em: 09/10/2017


O norte americano John Bramblitt teve uma infância cheia de desafios, com diversas crises de epilepsia a partir dos dois anos de idade. Sem nenhuma razão aparente, foi perdendo sua visão ao longo dos anos. Com isso, nunca imaginou que seria quem é hoje:  um consolidado artista cego, que surpreende com suas telas coloridas e bem desenhadas. Passada a tempestade de acordar na escuridão, ele contou ao Razões para Acreditar que a arte o salvou e o fez enxergar a beleza da vida novamente.

De chapéu, óculos escuro, camisa e camiseta, ele parece um músico. Os sons são ainda mais marcantes em sua rotina, porque desde cedo ele convive com a sinestesia, um cruzamento de sensações desenvolvido por certas pessoas que se tornam capazes de ver cores em músicas, por exemplo.“Tive isso a minha vida toda e pensava que todo mundo via cores nas músicas! Era comum uma situação como: ‘você pode tocar aquela música azul?’ ‘que música azul, cara? do que você está falando?’”, diverte-se ao contar a história e explica que as pessoas videntes absorvem as cores somente pelos olhos, enquanto há outros meios de fazer isso, como pelo toque. “De qualquer forma, os adultos precisam brincar mais. Tudo bem se você ouvir uma música e imaginar cores para ela. É divertido e ajuda a sua arte”.

A diversão é parte de sua rotina não só na pintura. Além de ser artista, presta consultoria de acessibilidade para alguns museus, como o Metropolitan Museum of Art, de Nova York. Ele acredita que os museus e galerias devem não só ser mais inclusivos, mas entreter e acolher as pessoas. “Elas precisam provar, tocar, sentir, dançar, mudar de lugar, experimentar as coisas…e esses lugares precisam apelar para os sentidos. Se não é divertido, então você não está fazendo isso certo”.

Durante sua passagem pelo Brasil, país que ele sempre quis conhecer, visitou a quadra de uma escola de samba. “Lá você pode sentir o ritmo. Para mim, é como se as cores saíssem das paredes daquele lugar. Tanta energia e emoção, reunindo muita gente, crianças e famílias…foi uma experiência incrível”.

Em seu estúdio, onde há caixas de som enormes que o ajudam na imersão entre notas e tintas, ele produz as mais diversas obras através da visão háptica (tátil), desde paisagens até retratos de rostos famosos, como Kurt Cobain, Jimi Hendrix e John Coltrane. Outra habilidade que desenvolveu foi reconhecer as cores das tintas com a palma das mãos, analisando a espessura e a textura. “Como eu não nasci cego, em vez de aprender tudo de novo, tive apenas que aprender a fazer de um jeito novo”, comentou.

Ele garante que tudo o que faz não é especial e que qualquer um seria capaz de fazer. Basta se propor a realmente prestar atenção nos detalhes. “É bom fechar seus olhos às vezes, ouvir o som ao redor, pisar na grama, sentir cheiros, realmente usar todos os seus sentidos. Hoje eu aprecio mais as coisas, tive que diminuir o meu ritmo e isso me fez prestar mais atenção nas coisas, me distrair menos”, reflete.

Antes de toda essa jornada no mundo das artes, Bramblitt teve um bocado de dificuldades, decorrentes de sua condição de saúde. “Estive muito doente quando criança. Teve vezes em que eu ficava metade do tempo no hospital.Mas sempre desenhei muito e era como terapia. Sempre é um bom dia para desenhar. Você não pensa muito quando faz isso. Só que eu nunca pensei que seria um artista”.

Logo depois que perdeu a visão por completo, veio a depressão e o sentimento de impotência. “É uma sensação horrível. Toda a esperança de fazer algo novo ou significante havia ido embora. Mas quando você está entre os pincéis, não se preocupa com o passado ou o futuro, se está perdido ou com as contas que tem para pagar. Depois de um tempo, comecei a me acalmar. Demorou uns 4 ou 6 meses até eu começar, mas depois ficava até 14, 16 horas pintando, todos os dias. Você entra nesse hábito e quer ficar nesse momento, apreciá-lo.”

Felizmente, esse momento contemplativo pode ser infinito. O artista cego tem uma carreira brilhante, com documentário e livros publicados, workshops em constante andamento, e obras de arte vendidas até para a presidência norte americana. Recentemente, customizou uma aeronave da Gol, inspirada no Rock in Rio, ouvindo as músicas do festival escolhidas pelo público. Que conselho daria para quem quer ser como ele? “Não julgue você mesmo. Se vai criar alguma coisa, não edite, deixe a ideia fluir, se dê a liberdade de expressão e criação. Se fizer isso, vai se surpreender!”.

Nas telas, encontrou uma saída para todos os seus anseios. “Não estaria vivo sem a arte. Preciso fazer isso todos os dias e quando estava doente foi realmente o que me salvou. É o jeito que vejo o mundo e me comunico. A arte me trouxe de volta  à vida quando me sentia isolado. Nunca achei que alguém veria um pintura minha ou se importasse. Mas ela me conectou às pessoas. Hoje tenho amigos ao redor do mundo todo! Eu realmente não consigo expressar o que isso significa para mim”.

 

Fonte: http://razoesparaacreditar.com/artes/artista-cego-telas-coloridas-arte-o-salvou/

 

Por Stela Masson, 8-10-2017

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