Enem 2019 exclui ferramentas de acessibilidade para cegos

Publicado em: 14/06/2019


Milhões de estudantes, exatamente 6 milhões, 384 mil e 957, se inscreveram e devem prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem ) em 2019, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. O que poucos deles sabem, entretanto, é que o Inep não acatou decisão da Justiça, dificultando as provas para candidatos com deficiência visual ou com baixa visão.

“Começou novamente a nossa saga no Inep pelo uso do computador nas provas do Enem. Este direito foi garantido (vestibular seriado da UFJF) depois que um juiz determinou que não só a Laura, mas todo candidato com deficiência visual que solicitar terá que ter o computado”, contou a médica Rosângela Gera à reportagem da Câmara Paulista de Inclusão. Uma vitória e tanto, porém o edital do Enem 2019 não foi alterado. Apesar de o juiz ter determinado que o uso do computador é perfeitamente possível e obrigatório conforme a Lei Brasileira de Inclusão, o edital 2019 do Enem não foi alterado e a decisão ignorada.

 “Enquanto os avanços tecnológicos não param o edital do Enem vai continuar oferecendo reglete e punção? Por que uma mãe tem de lutar sozinha, sem o apoio das instituições?” indaga a médica.

Entendendo a ação

O processo 1010816-72.2018.4.01.3801, registrado na 3ª Vara da Subseção Judiciária de Juiz de Fora, MG, divulgado no dia 23 de abril, o Juiz Federal Ubirajara Teixeira mediou conciliação movido pela estudante Laura Leandro Gera e a UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora). O magistrado entendeu que o uso do computador – por alunos com deficiência visual – é possível e obrigatório conforme a Lei Brasileira de Inclusão (13.146, de 6 de julho de 2015).

Na sentença, ficou definido que a universidade “tentará adotar em favor dos candidatos com deficiência visual que assim o solicitarem as medidas para disponibilizar um computador público munido de programa sintetizador de voz para o processo seletivo 2019 e subsequentes”.  Como o edital do Enem não considerou a decisão judicial, duas mães já entraram novamente com ações na Justiça pelo direito de seus filhos utilizarem os computadores necessários para um exame justo e inclusivo.

Relembrando a história

Em 2018, o portal da Câmara Paulista de Inclusão da Pessoa com Deficiência no Mercado de Trabalho Formal publicou denúncia de pais de alunos cegos (inclusive um professor universitário que não enxerga) sobre a falta de acessibilidade do Enem. por não permitir ferramentas atuais e dispor de ”leitores” sem o preparo suficiente para transcrever as provas.  Releia a matéria através do link:

Confira abaixa a “Suplica de uma Mãe”, assinada por Rosângela

Súplica de uma mãe: o Enem fere o principio da isonomia para candidatos cegos

AO INEP
 

Sou mãe de uma adolescente com deficiência visual de 16 anos , Laura é seu nome , que prestará provas do Enem como treineira pela segunda vez, e tristemente observamos que por mais um ano o edital do concurso não contempla as tecnologias assistivas necessárias a sua demanda .

Ora, como se justifica tal conduta do INEP quando o próprio MEC desenvolveu o MecDaisy que é uma solução digital para a produção e leitura de livros digitais? O MEC capacita Professores com o intuito de oferecer aos alunos cegos a possibilidade de utilizarem o computador como recurso pedagógico primordial em suas atividades . Com o computador e seus softwares que fazem a leitura da tela , esses alunos acompanham as aulas , fazem as avaliações , enfim é o instrumento que torna os materiais acessíveis e dá aos alunos a autonomia tão necessária .

Pois bem , não obstante esse fato , a Lei Brasileira da Inclusão – Lei no 13.146, de 6 de julho de 2015, determinou que, para os processos seletivos em cursos oferecidos por instituições de ensino, devam ser disponibilizados “[…] recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva adequados, previamente solicitados e escolhidos pelo candidato com deficiência . 

O edital do Enem de 2019 ( e todas suas edições anteriores ) , além de não oferecer os recursos que os estudantes com deficiência visual utilizam nos dias atuais , traz opções como reglete e punção , instrumentos que alunos de 17, 18 anos dificilmente fazem uso . O edital também oferece a prova em braile : Ler uma prova em braile com o tempo oferecido para a realização das provas ( mesmo que se considere o tempo adicional ) é algo impensável pelo volume de páginas que isso representa ( 1 em tinta = 4 em braile ) . E por fim submeter a leitura da prova a outra pessoa ( recurso do ledor oferecido ) , sendo essa uma maneira que o estudante não está acostumado , sotaques , pronuncias , velocidade de leitura , tudo isso tem que ser administrado ali de imediato com alguém que não conhece . Ter que pedir para outra pessoa reler, voltar uma frase , um paragrafo , enfim , tudo muito desgastante . 
E como fazer sua redação sem autonomia ? Escrevê-la em braile e ter que ditá-la para um transcritor ? Como administrar o numero de linhas nessa situação ? Quando com um computador o candidato poderia desfrutar das mesmas condições que seus colegas para redigir seu texto , e redigir seu texto com conforto e segurança .

Então é disso que estamos tratando , o INEP está violando a isonomia do concurso colocando os estudantes com deficiência visual em clara desvantagem . Desvantagem essa que começa em casa , quando a minha filha se preocupa em como vai fazer sua redação e ler os textos das provas sem o computador a que está acostumada . Enquanto seus colegas só precisam se preocupar em estudar matemática , biologia , física , ela precisa se preocupar em como será encontrar situações tão adversas justamente na hora de uma prova tão decisiva . 

Estamos falando da injustiça que o INEP está praticando contra esses estudantes , da violação de direitos constitucionais , de ir na contramão da inclusão , dos avanços tecnológicos e da educação na perspectiva inclusiva praticada pelo MEC .

Enfim, o ano que a minha filha fará o enem pra valer está chegando ( 2020) , então se até hoje nenhuma Instituição ou associação que reúne profissionais especialistas no processo educacional de alunos cegos se manifestou em defesa dos seus direitos , se nenhuma ação do MPF se fez para garantir os direitos desses meninos e meninas , eu , como mãe que luta desde o primeiro dia de aula da minha filha pela sua inclusão , para que nenhuma oportunidade lhe seja negada , para que ela seja respeitada exatamente como o colega que senta e sentou ao seu lado em cada sala de aula que frequentou até hoje , eu por toda essa historia de luta e desafios diários , suplico aos senhores , gestores do INEP : Não nos deixe morrer na praia . Não permita que todo o trabalho de uma vida que certamente é o de muitos outros jovens na mesma condição da minha filha , não permita que tudo isso seja perdido por falta de acessibilidade . Cabe aos senhores tornar possível que alunos cegos façam essa prova com isonomia , em igualdade de condições . Se não é possível negar o uso do lápis e do papel para os demais candidatos , então não pode ser possível negar o computador para candidatos cegos .


Att , Rosangela Gera , médica, Colatina ES
(15/05/2019)

Texto: Adriana do Amaral

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