Protagonismo, vida adulta e empregabilidade da pessoa com deficiência

Publicado em: 30/10/2019


II Multiálogo – Autismo e autonomia integraram as discussões levantadas em mesas temáticas do evento.

Por Lucas Borba

Na semana passada o site da Câmara divulgou a primeira das 3 reportagens elaboradas pelo jornalista Lucas Borba, a partir do encontro II Multiálogo, realizado pelo Fórum Paulista de Entidades. Se ainda não leu, confira aqui a primeira reportagem da nossa cobertura do II Multiálogo.

Após a palestra de Renato Benini, o II Multiálogo compôs a sua primeira mesa temática: “Conjuntura Nacional – A Pessoa com Deficiência: Vida Adulta”. Integraram a mesa Volmir Raimondi, coordenador da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência; Rebeca Costa e Silva, psicóloga da Associação dos Amigos do Autista (AMA) e Dra. Renata Flores Tibiriçá, pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo. A mediação ficou a cargo de Ester Rosenberg, presidente do Grupo Chaverim.

Raimondi foi quem primeiro tomou a palavra. Inicialmente, o coordenador registrou um cumprimento à secretária nacional dos direitos da pessoa com deficiência, Priscilla Gaspar, representada por ele no evento. A seguir, apresentou algumas considerações acerca de atividades desenvolvidas pela Secretaria, a começar pela implementação de um fórum mensal destinado a cada tipo de deficiência, com o objetivo de dar voz a esse público, às suas famílias e às entidades. Raimondi também destacou o trabalho conjunto entre a Secretaria e o Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência (Conade), sendo que este último integra representantes governamentais e da sociedade civil.

Outra iniciativa apresentada pelo coordenador foi a criação de um Grupo de Trabalho (GT) para discussões acerca da implementação da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que visa contribuir para que a legislação se efetive na prática. Registrou, ainda, a parceria com a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, com a meta de se criar uma política pública que também contemple esse segmento. Por fim, Raimondi reiterou a importância do protagonismo das organizações sociais e das pessoas com deficiência junto ao poder público: “É importante o reconhecimento dos espaços efetivos de discussão, para que todos possam contribuir com a nossa Secretaria”, afirmou.

Autismo e vida adulta

A segunda palestrante da mesa foi a psicóloga Rebeca Costa, que trouxe questões relativas à pessoa com autismo. Após agradecer o convite da coordenadora do AMA, Marli Marques, para representá-la no evento, ela iniciou sua exposição apresentando a definição do Transtorno do Espectro Autista (TEA), “Transtorno do neurodesenvolvimento que é caracterizado por dois eixos fundamentais: comprometimento na interação social e associada à comunicação e padrões de comportamentos restritos e estereotipados.”. A psicóloga observou a amplitude desses eixos e a dificuldade de garantir os direitos de uma pessoa autista a partir dessa definição. Por outro lado, Rebeca apontou que, segundo a ONU, em 1 a cada 160 nascimentos é constatado algum tipo de autismo. A seguir, ela listou os tratamentos dos quais esse público necessita: “Tratamento educacional e terapêutico multidisciplinar, com planejamento individualizado e por toda a vida.”, com o investimento variando entre intensivo, semi-intensivo ou focal,, conforme o caso.

A psicóloga enfatizou dois pontos a serem observados no tratamento: os déficits, ou seja, a falta ou a carência no desenvolvimento de certas habilidades, e os excessos, que são os problemas de comportamento. Quanto ao método de aprendizado, segundo Rebeca o autista precisa de uma organização visual, as tarefas devem ter uma sequência lógica e, por vezes, é necessário o uso do sistema de dicas: “Apesar do foco na autonomia da pessoa autista, existem habilidades variadas entre um caso e outro que não serão aprendidas ou levarão muito tempo para se desenvolver sem um apoio sistemático no tratamento.”, explica. Além disso, ela observou a importância de se trabalhar com as consequências de motivação, quando uma habilidade a ser aprendida não é atraente ou interessante ao autista, e da minimização de erros, já que uma pessoa com esse transtorno tem a tendência de repetir equívocos que podem trazer danos, inclusive, à sua integridade física, como tocar em uma panela quente.

Por fim, Rebeca trouxe a constatação apresentada pela revista Pediatrics de que, com a intervenção precoce, desde a infância do autista, o investimento tende a ser menor do que em um tratamento iniciado apenas na fase adulta, além do prognóstico ser bem mais favorável. Ainda assim, contrapõe a psicóloga, a população adulta com autismo é densa e também precisa de assistência, tanto no que diz respeito ao tratamento quanto na inserção no mundo do trabalho.

Vida Adulta também foi um tema trazido à tona pela Defensora Pública Renata Flores, mas da perspectiva de toda e qualquer deficiência. A última palestrante da mesa lembrou do papel que o amor, o apoio e o carinho familiar, bem como o investimento na educação e na formação de um cidadão autônomo desde a infância representam na vida adulta de qualquer ser humano, não sendo diferente, segundo ela, no caso de uma pessoa com deficiência. Por outro lado, frisou que, apesar do investimento nas próximas gerações ser fundamental, a atual população adulta com deficiência também deve ter seus direitos assegurados.

Além da falta de serviços de saúde, Renata apontou a carência ainda existente em recursos de acessibilidade arquitetônica, comunicacional e, principalmente, atitudinal – segundo a Defensora, a mais importante, por representar o caminho para a conquista de todo e qualquer direito que possibilite uma vida verdadeiramente autônoma. “Se persistirmos em debates e ações conjuntas, sensibilizando e recebendo a abertura de nossos governantes para o diálogo, sei que o futuro será ainda melhor do que é hoje em relação há 10 anos atrás.”, completou.

Aracélia Costa, secretária executiva da SEDPCD

Empregabilidade da pessoa com deficiência

Com o tema “Conjuntura  Nacional – A Pessoa com Deficiência: Empregabilidade, Previdência e Seguridade Social”, a segunda mesa do II Multiálogo contou com a mediação do Dr. José Carlos do Carmo, auditor da Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo. A primeira palestrante foi Aracélia Costa, secretária executiva da Secretaria Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

Enquanto gestora da Secretaria, Aracélia apresentou o programa de empregabilidade lançado em setembro pelo governo do Estado, visando ampliar a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Segundo ela, o programa foi concebido de forma intersecretarial e liderado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico e pela Secretaria Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Aracélia explica que os objetivos específicos incluem o enfrentamento da visão assistencialista e incapacitante sobre a pessoa com deficiência no ambiente corporativo e de vagas não compatíveis com as habilidades funcionais, a criação de processos de seleção mais equitativos, a ampliação de conhecimento no âmbito das tecnologias assistivas e das necessidades de adaptação ambiental e mudança de atitude.

A secretária pontuou as seis ações estruturantes nas quais o programa está baseado: a busca ativa de candidatos, entrevista profissional, o mapeamento das funcionalidades, a qualificação técnica e empreendedora, a intermediação de mão de obra e o emprego apoiado. Por isso, observa Aracélia, pessoas com deficiência inscritas podem buscar tanto por vagas de emprego quanto por cursos de qualificação profissional. Para inscrições e mais detalhes acerca do programa, que até o momento já conta com 38 empresas e prefeituras do Estado cadastradas, basta acessar o site www.trabalhoinclusivo.sp.gov.br.

Na sequência, tomou a palavra a Dra. Stella Reicher, do escritório SBSA Advogados. Buscando um diálogo com os temas da empregabilidade e da previdência, ela abordou a questão da capacidade jurídica das pessoas com deficiência. Stella destacou duas legislações brasileiras acerca dos direitos desse público: A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Com essa legislação, observa a advogada, a deficiência deixa, em teoria, de ser vista simplesmente como algo a ser curado, mas como uma limitação do entorno, de uma sociedade excludente. Ou seja, abandona-se o modelo médico e adota-se o modelo social e de direitos humanos.

Com isso, prossegue Stella, houve uma mudança no código civil. O termo “incapacidade”, que antes contemplava, inclusive, pessoas com deficiência com mais de 18 anos, agora restringe a incapacidade absoluta a quem tem menos de 16 anos. Desse modo, a deficiência de uma pessoa não pode mais ser atribuída à incapacidade, a não ser que seja constatada a impossibilidade dessa pessoa expressar sua vontade. Em alguns países, porém, a advogada aponta que não existe mais o instituto da interdição, quando um juiz nomeia um curador para gerenciar a vida da pessoa considerada incapaz, e no Brasil essa curatela não se aplica a pessoas com deficiência capazes de expressar sua própria vontade.

A partir dessa exposição, Stella declara que, quando o INSS exige uma curatela para que uma pessoa com deficiência considerada capaz acesse o Benefício da Prestação Continuada (BPC), agora  está infringindo a lei. “O máximo que pode acontecer é a pessoa com deficiência capaz solicitar uma tomada de decisão apoiada, ou seja, alguém que, pela iniciativa da própria pessoa, a auxilie na tomada de decisões, mas a questão é: na prática, o que isso representa para a autonomia da pessoa com deficiência, inclusive quando falamos da sua inserção no mercado de trabalho?”, questiona a advogada.

Na terceira e última reportagem da nossa cobertura do II Multiálogo, que será divulgada na próxima semana, deixaremos você por dentro do que foi falado acerca da previdência sob uma perspectiva mais técnica e, principalmente, sobre a seguridade social da pessoa com deficiência e a residência assistida.

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